Nossa viagem de Curitiba para as Cataratas do Iguaçu, foram 650km cruzando todo o estado do Paraná, em um só dia. Uma das nossas paradas ao longo do caminho foi na pequena cidade de Laranjeiras do Sul, que nós nunca teríamos ouvido falar se não fosse em uma conversa com o Yves, que nos hospedou pelo couchsurfing. Hoje um centro agrícola para a região, um dos últimos lugares que você esperaria ter algum envolvimento na Segunda Guerra Mundial. Mas surpreendentemente sim teve sua pequena participação.
Tempo para uma aula de história!

No ano de 1937 o Brasil estava no regime ditatorial de Getúlio Vargas. Neste período autoritário, todos e qualquer partido de oposição foram proibidos, os dissidentes pela ditadura foram jogados na prisão ou exilados. Até um movimento político facista criado por Plínio Salgado teve alguma popularidade, o AIB – Ação Integralista Brasileira. Em 1940 os Estados Unidos oferece apoios financeiros e industriais para o Brasil, em busca de um aliado. Com interesse em utilizar os portos no nordeste, como parte das rotas de abastecimento para a África Ocidental.

Em vingança por esta colaboração com os seus inimigos, os alemães responderam com ataques de submarinos contra marinha brasileira. Nesta época o transporte terrestre entre as cidades costeiras simplesmente não existia, assim que estes ataques prejudicaram bastante a economia brasileira. Foram cerca de 3.000 vitimas e 36 náufragos. Com isso finalmente a guerra foi declarada contra as potências do Eixo, em 22 de agosto de 1942.

Foi sobre essa nuvem negra que o governo brasileiro assumiu o controle militar direto sobre algumas das regiões nas fronteiras do país, para estarem mais preparado em caso de uma invasão. E estes territórios recém-criados foram:
- Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, no norte. Guiana Francesa estava prometida para o regime Nazista da França de Vichy por grande parte da guerra.
- Rio Branco, na fronteira com a Venezuela e Guiana Inglesa, no norte. Venezuela detém importantes reservas de petróleo, na época havia rumores de ser um alvo para invasão alemã. Guiana Inglesa era então uma colônia britânica, e portanto um território dos Aliados.
- Acre, na fronteira com o Peru, no oeste. Peru era semi-neutro, mas eventualmente declarou guerra ao Eixo em 1945.
- Guaporé, na fronteira com a Bolívia, no sudoeste. Bolívia declarou guerra ao Eixo em 1943, mas sofreu um golpe de Estado no mesmo ano. O novo líder teve questionáveis inclinações pró-fascistas, até que a pressão externa convenceu-o de outra forma.
- Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai, no sudoeste. Paraguai tinha fortes inclinações pró-alemão, e políticas internas turbulentas durante este período.
- Fernando de Noronha, um arquipélago no Atlântico, na costa nordeste. Um ponto estratégico para uma invasão ao continente.
…e finalmente a razão para este artigo:
- Território Federal do Iguaçu, como capital da província de Iguaçu, hoje chamado Laranjeiras do Sul. Fazendo fronteira com o Paraguai no oeste, e com a Argentina no sudoeste. A Argentina foi neutra durante a maior parte do conflito, mas novamente com uma forte influência alemã. Sofreu um golpe militar bem sucedido em 1943.

Claro que o ataque ao continente nunca veio, e esses territórios felizmente não sofreram invasões, se não nós teríamos estudado sobre nos livros de historia.
Mas o que não estudamos nos livro é que sim o Brasil lutou na Segunda Guerra Mundial, mas em solos italianos. A Força Expedicionária Brasileira teve uma missão conjunta do exército e da aeronáutica, no combate a Campanha da Itália, na Primavera de 1945. E em Curitiba existe um museu que visitamos sobre esta missão. Para quem se interessa em historia um bom lugar para dar um pulinho.

Após o fim da guerra alguns destes territórios sobreviveram, e mais tarde se tornaram estados. Guaporé tornou-se o estado de Rondônia, em 1956. Em seguida Acre em 1962. E finalmente em 1988 Amapá e Rio Branco (agora conhecido como Roraima) conseguiu o titulo de estado. Os outros desapareceram na obscuridade. Ponta Porã agora parte do Mato Grosso do Sul. Fernando de Noronha é hoje uma reserva natural protegida, e parte do território de Pernambuco.

O território de Iguaçu foi dividido em 1946, e voltou a ser parte do Paraná e de Santa Catarina. E a antiga capital, construído para o novo governo militar, foi renomeada para Laranjeiras do Sul. O Palácio do Governador é agora o edifício da câmara municipal e é uma das poucas construções de madeira que permanece desse período.

O Jack teria ouvido falar de um monumento de comemoração deste período, então quando chegamos a cidade fomos a procura. Perguntamos a algumas pessoas locais e ninguém, simplesmente ninguém, tinha conhecimento sobre o monumento e nem sobre o território de Iguaçu. Ate que encontramos a dona de um restaurante que nos explicou que a câmara municipal seria o monumento, Ahhh…

Visitamos o prédio e tivemos um tour por Gilmar Zocche, funcionário publico do distrito e amante da história da sua região. Finalmente encontramos alguem! Com uma pasta cheia de fotos antigas, ele nos explicou brevemente a história da cidade. E contou como os moradores na época ficaram decepcionados com a dissolução do território. O sonho de crescimento da cidade, e potencialmente de se tornar a capital do estado teria acabado. A campanha para um “estado de Iguaçu” era na verdade mais forte na cidade próxima de Cascavel, mas foi esquecida ao longo das décadas.

Existe também um pequeno museu na praça em frente ao edifício do câmera, que mantém uma coleção de lembranças da época. Na porta da frente uma caixa de vidro exibe 9 folhas de dois decretos federais. Seis para criação os territórios, e três para dissolução.

Atualmente temos 26 estados mais o Distrito Federal, que foram o resultado de centenas de anos de divisões. As enormes províncias do tempo colonial foram divididas novamente e novamente, dependendo das prioridades da época. Mesmo recentemente em 2011, a proposta de dividir o estado do Pará e a criação de dois novos estados em seu lugar veio a votação. Mas foi rejeitada, nada diz que não pode voltar a mesa, tudo depende do futuro clima político.
Então, talvez um dia no futuro vamos voltar a Laranjeiras do Sul no Estado do Iguaçu, no sul do Brasil.